Artigo: Liberdade de expressão na literatura

10 janeiro 2015

Oi pessoal!

Inicio agora o que será, muito provavelmente, um novo hábito de nosso blog: artigos que tenham como o tema a literatura. Pretendo levantar vários temas, desde coisas banais, como a fórmula dos romances contemporâneos, à coisas mais sérias, como é o caso no momento.

Primeiro de tudo, sei que o tema “liberdade de expressão” está batido atualmente, graças ao ataque ao jornal satírico francês Charlie Hebdo (viveu em outro planeta graças às férias? Dê uma conferida aqui). Mas antes de um ataque terrorista, o tema já era polêmico e abertamente discutido em meio jurídico — o meu meio. Ano passado fiz uma optativa de Temas do Direito de Personalidade, onde apresentei um seminário sobre crimes de ódio e os limites do direito à liberdade de expressão.


Por que resolvi trazer isso para um blog de literatura, onde habitualmente publicamos resenhas?

Ora, porque liberdade de expressão também encontra-se na literatura, assim como a semente do que pode se tornar um crime de ódio. Não consegue visualizar? Vou dar um exemplo simples.

Li, na época do lançamento, o livro “Juliette Society”, da ex atriz pornô Sasha Grey. Esperava um romance hot e sedutor, mas me deparei com uma discussão aprofundada de cinema, com dezenas de referências à quinta arte  que não entendi. Além disso, teve uma passagem que muito me incomodou: onde a autora coloca sua personagem justificando o sexo e orgasmos através de uma versículo bíblico, dizendo que Deus defendia os orgasmos. Ao meu ver, foi completamente fora de contexto; como se eu pegasse uma única frase de um livro inteiro e atribuísse um sentido a ela, sem me importar com o todo de onde foi tirada.

A pergunta é: eu fiz algo a respeito? Ou melhor: eu deveria ter feito algo à respeito? Me senti ofendida como cristã, isso é fato. Mas outras pessoas, fossem religiosas ou não, sequer se importaram. Mas se eu fosse uma fanática religiosa e fizesse um atentado à vida da Sasha Grey, isso justificaria meus atos? Dizer que ela “cutucou a onça com vara curta”, ao falar de religião, justificaria que eu a atacasse?

Estou falando isso porque foram comentários desse nível que vi em matérias informando sobre o atentando ao Charlie Hebdo: justificativas para o ataque. E o engraçado é pessoas que comentam isso ainda dizerem que defendem a liberdade de expressão...
Sinto muito, mas se você acha correto que alguém “pagou” pelo que escreveu com sua vida, em uma velha interpretação da lei do código babilônico (“olho por olho, dente por dente”), você tem sérios problemas de tolerância.

Vivemos em um mundo democrático, onde a liberdade de expressão deve ser defendida à todo custo. Acha que os franceses que foram às ruas prestar luto concordavam com as publicações da revista? Errado. Já foi demonstrado que a revista estava quase falindo, por falta de vendas, e tinham, inclusive, diminuído a impressão da tiragem pela metade.

O que esses franceses, e o que o mundo inteiro quer defender, é a liberdade de expressão de dizer o que se quer. A revista Charlie Hebdo podia publicar o que for, mas se você não se interessa, não é obrigado a comprar. Conforme o exemplo que citei, detestei “Juliette Society” por uma lista de motivos, mas nem por isso saí criticando pelo mundo — ou mesmo atacando a autora — por discordar ou me sentir ofendida com ela.

Repito: vivemos em um mundo democrático. Se o seu direito de liberdade de expressão esbarra no meu direito, digamos, moral, eu posso seguir o caminho legal e processá-lo judicialmente por isso. Quer um fato? Se os islâmicos tivessem deixado o Charlie Hebdo em paz, ele muito provavelmente faliria em poucos meses, pelo andar da economia deles. Agora, a França e o mundo inteiro estão dispostos a ajudá-los a continuar existindo, justamente por que querem defender a liberdade de expressão.

Tolher a liberdade, cortá-la previamente por medo de quem possa ofender, não é e nem nunca será o caminho de uma democracia. Esse, caros leitores, é o caminho tomado por ditaduras, onde se proíbe discutir e mencionar determinados assuntos, com receio de que possa incentivar o povo a lutar contra o governo. Na Europa da Idade Média, a Igreja Católica queimou centenas de livros por conterem ideias que se opunham à doutrina religiosa deles. Na ditadura brasileira tivemos vários casos do tipo, envolvendo não só autores de livros, como dezenas de artistas.

Como já falei, basta seguir o caminho legal; aqui mesmo, atualmente no Brasil, temos uma série de governantes processando jornalistas por conta de matérias que os “ofenderam”. Mas aí é que está: esses jornalistas não devem ser proibidos de escrever.

Não, não estou defendendo a impunidade. Pelo contrário: se você exagerou em exercer seu direito, você vai ser responsabilizado pelo seu exagero, mas judicialmente, através de um processo. Vai afetar onde mais te dói: em seu bolso. E ainda corre o risco de afetar sua liberdade de ir e vir, pois pode responder criminalmente e ser preso.

Pensem nisso quando lerem um livro do qual discordam com o autor. Antes de crucificá-lo por ele ter escrito algo que você, como leitor, não gostou, lembre-se que ele tem a liberdade de expressão para tanto, e que assim deve permanecer.


Vou ficando por aqui. Por último, mas não menos importante: #jesuischarlie !!!

Izandra.

16 comentários:

  1. Oiee

    Adorei o post e realmente é bem complicado quando lemos um livro e não gostamos e algumas pessoas começam a falar mal do autor, tem haver que um respeito de ambas as partes e claro nada que leve morte como o que houve na França mas enfim o mundo é muito diferente e acho que esse caso pode se comparar as manifestações que teve no Brasil ano passado que outras pessoas do "mal" aproveitam para fazer vandalismo e aproveita a situação.

    Beijos

    www.livrosechocolatequente.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, Andressa! O problema do "respeito" e da "liberdade de expressão" é que as pessoas só usam quando convém a elas. Por exemplo, já critiquei um livro que não gostei, expondo meus fundamentos, e fui acusada de "não respeitar" o gosto dos outros. Mas também não respeitaram minha opinião, não?
      É um tema extenso e muito difícil de debater, isso é fato. Só dei uma ligeira levantada nele, com o intuito de as pessoas pensarem um pouco sobre ^^

      Excluir
  2. Oiii Iza, tudo bem? Achei esse tema bem pertinente. Passei por uma situação que talvez se encaixe. Fiz uma resenha bem negativa de um livro e algumas pessoas meio que me atacaram por isso. Não o autor. Que aliás, foi super educado. Mas algumas pessoas que nada tinham a ver com a história. Que não eram nem mesmo leitores do blog.
    Fiz a resenha alegando motivos para não ter gostado do livro. Mas em momento algum, crucifiquei o autor por isso. (tá, ok, eu disse que ele poderia ter feito melhor, ashuahsuahu. mas normal né?)
    Aí entra a liberdade de expressão. A dele, por escrever o livro como ele queria. E a minha, por defender minha opinião, sem "danificar" a imagem do autor.
    Mas acho bem complicado esse tema sabe. Porque todo mundo diz que defende até ser cutucado pela liberdade do outro.
    Sei lá, nem vou me estender muito no assunto, ou vou fazer um comentário enorme, mas acho que é bem importante falar sobre isso. Mas defender a liberdade até onde vai a liberdade do outro.
    (será que ficou confuso? )
    Um beijão e bom final de semana =D
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Gih!
      Entendo bem o que você passou. Eu fazia parte de um grupo de compartilhamento de livros no Facebook, e nos comentários, os usuários costumavam deixar sua opinião.
      Eu lembro que era uma das únicas que não curtia certo tipo de livro, e costumavam só deixar uma msg avisando, já que eu conhecia outras garotas do grupo que tinham gosto como o meu, mas não comentavam.
      Adivinha? Fui expulsa do grupo pelas moderadoras, porque elas gostavam dos livros que eu dizia não gostar.
      Nao fez o menor sentido pra mim, afinal, gosto é gosto. Elas falavam que eu nao as respeitava, mas elas respeitaram a mim?
      É difícil discutir respeito e liberdade de se expressar. Nesse momento, muita gente defende a hashtag oposta, "jenesuischarlie", por acharem que deve haver um limite em que se expressa. Isso não seria o não respeitar o outro também?
      Enfim, o tema é extenso e poderíamos discuti-lo de tantos pontos de vista que geraria vários livros rsrs

      Excluir
  3. Oi, Iza.
    Esse é um assunto bem polêmico. Sou católica apostólica romana e amo a Igreja de qual faço parte. Sou a favor da liberdade de expressão, óbvio, já que tenho um blog e tal. Mas eu já acho que ali na Charlie Hebdo não foi liberdade de expressão; foi intolerância mesmo. Se teve algo que eu aprendi em Filosofia, e claro, com a doutrina cristã católica, é que "tudo posso, mas nem tudo me convém", e que liberdade é poder fazer tudo, mas não fazê-lo porque sabe que isso vai ultrapassar a linha da liberdade alheia. A revista podia, sim, dar sua opinião, como tantos ateus e pessoas que discordam da nossa Igreja fazem, mas o que ela fez foi demonstrar intolerância; ela não usou de argumentos racionais, textos, faltou com RESPEITO à religião alheia, tanto ao Catolicismo, Cristianismo em geral e Islamismo. Logo, não foi liberdade de expressão. Foi libertinagem e irresponsabilidade. Mas isso justifica o atentado? Não, não justifica. Porque se tem outra coisa na qual a minha fé é embasada, é que TODA vida é sagrada e querida aos olhos de Deus, e ninguém, sob justificativa nenhuma, pode tirar uma vida. Por isso somos contra qualquer tipo de aborto e pena de morte. O que aquela revista fez foi muito errado, mas isso NUNCA justificará a violência por parte dos radicais islâmicos.

    Gostei muito da sua ideia de sair um pouco do tema "livros". Estou fazendo isso no blog também.

    Clara
    @clarabsantos
    clarabeatrizsantos.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Clara!
      Gostei muito da sua opinião, e agradeço por compartilha-la!
      Mas sou feliz por viver em um mundo onde eu possa compreender você, mas necessariamente concordar com você ;)
      Porque uma coisa que você falou, me deixou pensando: "o que é respeito?".
      "respeito" é eu pensar em quem vou atingir com minhas palavras, antes de publica-las?
      Ou "respeito" é eu ver palavras publicadas que discordo, mas aceito que existem?
      Acho que esse é o cerne da "disputa" que está tendo entre pessoas que apoiam o "jesuischarlie" e as que seguem o movimento oposto, "jenesuischarlie". As do segundo tipo acreditam que o Charlie Hebdo, por escrever coisas de mau gosto, deveriam ter pensado antes; mas, como você, também acreditam que foi exagerado perderem a vida.
      Eles já respondiam a dezenas de processos por parte da igreja católica; e UM por parte do islamismo.
      Mas acreditar que eles deveriam ter "respeito" para publicar um conteúdo é usar o "respeito" como lhe convém, pois não se está "respeitando" eles ao dizer isso rsrs
      Enfim, esse é só meu ponto de vista, apesar de concordar contigo em muitos pontos: eles tinham mesmo mal gosto em suas publicações xD

      Excluir
  4. Olá!

    Seu artigo foi muito pertinente e muito bem escrito, aliás.Eu, como estudante de jornalismo, entendo como funciona essa liberdade de expressão. Eu prefiro ser processada a ser censurada!

    resenhaeoutrascoisas.blogspot.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Kamila!
      Desejo que o mundo continue sendo um local onde jornalistas podem escrever sem serem censurados :)

      Excluir
  5. Apesar de ser um tema "batido", eu achei muito interessante e totalmente pertinente. Já passei por isso tantas vezes que até perdi as contas. Principalmente por causa do livro O Lado Bom da Vida. Já cheguei até a ouvir comentários "Livro desnecessário. Árvores foram derrubadas em vão por causa desse livro ruim". Se fosse outra, começaria uma briga, atacaria quem falou isso, falaria mal de alguns livros que essas pessoas gostam... Mas fiz ao contrário. Respeitei a opinião das pessoas e explicitei o porque esse livro era tão especial pra mim e fim. (Sim, eles sabiam que esse livro é um dos meus livros preferidos). Sem ofender. Pois a gente não faz para os outros o que a gente não quer pra gente.

    Enfim, infelizmente coisas assim ainda acontecem principalmente nesse mundo literário. Se você gosta de 50 Tons de Cinza você é uma piriguete. Se você gosta de Harry Potter você gosta de vodoo. Se você lê Delírios de Consumo.. você é fútil. E por ai vai. Cada um é livre pra ler o que quer. Um livro não define caráter de ninguém.

    É triste, principalmente porque hoje em dia as pessoas não entendem o conceito de liberdade de expressão. Espero que um dia isso diminua :(

    Enfim, acho que eu talvez tenha fugido um pouco da proposta do post, mas senti essa vontade de desabafar kkkk

    http://werenotbestsellers.blogspot.com.br/

    Beijão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Geisiane!
      Pelo contrário, adorei o que levantou no seu comentário, pois é algo que não levantei no post (ele já estava grande ao final xD).
      Por parte dos leitores falta sim, e muito, respeitar o gosto alheio. Eu, por exemplo, não gosto de livros infanto-juvenis, pois acho eles mais simplistas e escritos para um público específico. Mas se eu tentar deixar minha opinião sobre um desses livros no blog, sei que vou ser retalhada por leitoras nessa faixa etária, que não saberão entender que cada um tem um gosto e opinião distinta.
      Tinha uma colega que, apesar de mais velha que eu, amava livros desse tipo: bobinhos, sem grande desenvolvimento. Ela pediu para ler o meu livro (publico sob pseudônimo), e fez uma resenha criticando tudo o que outros leitores elogiam: como desenvolvo bem meus personagens, o local onde se passa a historia, e todo o resto.
      Eu não briguei com ela nem nada; ela tem direito a achar o que for, já que é gosto dela. Mas havia avisado a ela que, por não concordar e achar a resenha dela baseada apenas no gosto pessoal, e não em qualquer mérito, eu não divulgaria a resenha dela nas redes sociais do meu livro.
      Já compartilhei muitas críticas sim, mas no geral, fundamentadas em quesitos diferentes do gosto pessoal. Só que ela não aceitou isso, parou de falar comigo, e ainda ficou fazendo propaganda negativa para outras pessoas que ela conhecia O.o
      Acontece. Não me estressei, e fico feliz por não ter caído na armadilha de "dar o troco" pra ela :)

      Excluir
  6. Oi Izandra!
    Adorei a ideia dos artigos e gostei mais ainda do seu texto. Muito esclarecido e coerente, concordei plenamente com você.
    O fato de você não gostar de alguma coisa não é um problema. O problema está na forma como age em relação a isso. Tirar a vida de alguém por um motivo tão torpe chega a ser quase inacreditável. E mais triste ainda ver gente que "justifica" tais atos, legitimando os terroristas. Espero que esse caso sirva de exemplo ao mundo.
    Beijos,

    Priscilla
    http://infinitasvidas.wordpress.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é, Priscilla!
      Mas acho que o "tirar a vida"né o final extremo; antes disso, a pessoa que age assim já "treina" essa raiva antes, alimentando-a com pequenos outros atos que a desagradam. Vai alimentando o ódio com o outro através da intolerância, até chegar ao ponto de resolver "agir" com uma atitude extremada =/

      Excluir
  7. Izandra, eu não estou muito a parte do assunto, mas eu concordei com o dito aqui! 'todos temos o direito de nos expressar contra ou a favor a qualquer coisa, mas o pior mesmo é quando essa liberdade deseja ferir os outros.
    'bom, não quero expressar muito o que penso, porque também não estou com muita base para concluir minha opinião.
    'ótimo texto/artigo - continue.

    gabryel fellipe - quimeras mirabolantes

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O importante é ter esse pensamento que expressou, Gabryel: De que termos a liberdade de nos expressar é muito bom :)

      Excluir
  8. Oi, Izandra!
    Adorei o texto! Aqui na Europa só se fala sobre esse ataque, e você consegue ouvir várias opiniões bem diferentes uma das outras. Eu concordo plenamente com você: todos devem ter a liberdade de se expressar da maneira que quiser, mas devem ser punidos judicialmente por um possível exagero. Não serem mortos sem um mero julgamento pelos ofendidos.
    Tenho certeza que agora, a Charlie Hebdo vai crescer com mais e mais força, e o ato cometido, então, vai ter o efeito contrário: os islâmicos serão cada vez mais criticados, mesmo que a maior parte deles não concorde com o que aconteceu na revista. Uma pena mesmo :/
    Beijos,
    Déia!
    Own mine

    ResponderExcluir
  9. Pensar sobre liberdade de expressão é complexo e, muitas vezes, motivo de discussões. Acredito na frase que diz que a sua liberdade termina onde começa a do outro. Cada um tem o direito de expressar sua opinião, mas também deve respeitar a opinião do outro (note que eu disse respeitar e não concordar ou apoiar).
    Beijinhos

    http://vidasempretoebranco.blogspot.com

    ResponderExcluir